quarta-feira, 31 de agosto de 2022

O Personagem

Eu estava determinado a conseguir aquele estágio.

Entrei no prédio comercial e chique da zona sul, contrastando com minhas roupas simples e batidas da periferia. Eu queria muito aquele estágio, então tentava desesperadamente esquecer o abismo social de todo dia, naquele prédio chique e comercial, com espelhos mais valiosos que minha vida. Minha mente se dividia em duas: uma tentava se lembrar das dicas de entrevista de emprego, a outra tentava se lembrar do que era ser livre, frente a ameaça de me perder para sempre em um emprego tedioso e mau remunerado para pagar contas e me arrastar até a morte. Era a vida adulta chegando devagar e rompendo minhas crenças. Me identifico; carteira surrada de trabalho. Entro no elevador.

Saio do elevador. Era um andar grande e dividido verticalmente. De um lado, salas de um órgão público, o outro era corrido, e no final havia a sala de espera. Sento em um sofá imenso, preto, de couro. Desapareço nele e me sinto pequeno. Meus olhos rapidamente encontram a janela. Montanhas e prédios são do que Belo Horizonte é formada. E de gente gay e fumante também.

Enquanto aguardava em um misto de excitação e tédio, uma figura saiu de dentro da sala onde seria meu provável covil. Era um homem, por volta dos 40. Cabelo desgrenhado, já ralo e meio careca, camisa social branca com listras vermelhas, suspensórios, calça social bege, sapatênis. É possível que eu esteja inventando um pouco seu traje, mas pelas conversas que ouvi pude saber que ele era um chefe, e sua relação jovial com os subordinados era digno de um personagem. Um personagem que minha criatividade se mataria para escrever.

Eu estava determinado a conseguir aquele estágio.

Mas a partir daquele momento minha mente estava dominada pela imaginação. Como viveria aquele ser tão distinto, em um órgão público lotado de pessoas que sabiam muito bem a idade a qual pertenciam? Ele brincava, falava alto. As pessoas ao seu redor pareciam ter um misto de admiração e pena, apreciação pela coragem e vergonha alheia, tudo ao mesmo tempo. O fato de ser superior hierárquico poderia contar muito também. Talvez fosse tudo o que ele tinha. Queria escrever um episódio sobre aquilo. Como se chamaria? O cara do trabalho? O louco do governo? Ele frequentava bares? Era gay e fumante? Tinha uma vida dupla? Se ele fosse meu chefe, conseguiria lidar com ele sem ficar analisando sua vida como um esquisitão perturbado pela criatividade não explorada?

A entrevista começa.

Era uma mulher de 30 e poucos anos. Cansada. Talvez casada, com filhos irritantes e um marido brocha. A questão é que tudo que eu conseguia pensar eram em personagens. Ela quase não pergunta da minha vida pessoal e acadêmica. Fala por horas sobre as atribuições de um trabalho que muito provavelmente eu não iria conseguir. Olho pela janela, Belo Horizonte se exibe para mim como uma puta barata. Uma outra candidata entra. Vinte e poucos anos, gatinha da zona sul bem criada pelos pais. Veio de carro, cheirosa e pontual. Vim de ônibus, andei por cinco quarteirões, meu pai me ameaçou dar uma facada há duas semanas do meu aniversário de 18 anos. Penso muito em um cigarro, ela me chama para a prova prática. Me põe em frente ao computador e pede que eu redija um texto sobre algo que eu não pesquisei direito no dia anterior. Eu estava determinado.

O cara excêntrico desvia minha atenção. As mulheres ao redor dele também. Toda a cena estava armada, a iluminação certa, o roteiro perfeito, os diálogos e situações de dar inveja em qualquer Woody Allen da vida. Era minha vida ficando ruim por mais algum tempo. Escrevo qualquer coisa. Saio jurando que vou escrever uma série.

Mas quando abandono o prédio comercial, chique e bem refrigerado e avanço pelo centro, minha mente descreve um outro personagem, preso em uma história que nunca teve coragem de interpretar. Sempre olhando pela janela, no ônibus lotado, imaginando a vida alheia, vivendo sensações por trás dos olhos. Com pouca ou nenhuma vontade de crescer. Volto para o meu bairro mal construído, as calçadas destruídas, as ocupações abandonadas, o concreto seco, a fumaça densa, muita arma, muita droga, pouco dinheiro e pouco perdão.

É, eu realmente estava determinado a conseguir aquele estágio.

domingo, 1 de setembro de 2019

o poema de domingo de manhã

acordei sozinho, encarando o teto
olhei pro lado, só vi parede
olhei pro outro, o quarto vazio
fechei os olhos, desejei você

sonhei honesto, tive medo
fiquei com fome, não quis comer
lamentei a culpa, foi toda minha
pagando o preço, desejei te ver

levantei torto, fui pra cozinha
fiz um café, espiei o vizinho
li o jornal, um disparate
me senti triste, desejei seus olhos

então fiz uma música, escrevi uma canção
lavei minha roupa, organizei meus papéis
cuidei da saúde, pensei no futuro
me senti melhor, desejei ser seu

terça-feira, 27 de agosto de 2019

quando eu escrevia pra você

houve um tempo
em que eu só escrevia pra você
meu única tema era nós dois
eu só queria te convencer

naquele tempo
muita gente lia
eu me sentia
mais do que deveria

hoje sem tempo
quase não escrevo
pois tenho um emprego
somos gente grande

quem dera o tempo
passasse a diante
meu erro constante
de não te convencer

vai chegar o tempo
em que você não lamenta
não me ter por perto
será que você ainda me lê?

quinta-feira, 15 de agosto de 2019

pra você gozar (em mim)

começa com um beijo apaixonado
minha mão na sua cintura
seus braços sobre o meu ombro

mordo seu lábio
arrepio sua nuca
minha mão desce
para sua bunda
pressiono forte
seu corpo contra
o meu
você tira minha blusa
eu tira a sua
vou descendo meu corpo
primeiro mordo o pescoço
o dorso
e logo os seios
sinto sua energia
sua mão agarra meus cabelos
com força e leveza
desço um pouco mais
a barriga, sinto o frio
que te excita
chega a cintura
e me meto entre as pernas
continuo beijando
você se desperta
geme alto
depois baixinho
me enche de tapas
arranha minha pele
mas é puro carinho
chupo e mordo
a noite inteira
até você gozar na minha língua
e esquecer de todos os problemas do mundo
e existir só você
eu, e o agora

você se levanta e me beija ainda ruborizada
está pronta pra esfregar sua pele morena na minha
e deixar todos os erros da juventude para trás

sábado, 3 de agosto de 2019

boa viagem de volta

te conheço de outras músicas
mesmo após tantos carnavais
quantos 'vai's você me disse?
quantos 'ven's queria dizer?

de ouvir tocar me lembro dessa
e ouvi aquela sem esquecer
que outros sons tu tem ouvindo
para evitar de mim saber?

vários acordes, ritmos e melodias
e outras rimas que eu queria te fazer
dão algum sentido ao sentimento que provoca
meu pensamento que não foge de você

queria ouvir tuas outras músicas
e estar nos próximos carnavais
quanto mais você quer?
quanto bem posso te querer?

domingo, 7 de dezembro de 2014

dez encontros

Quando aparecia bem na noite incerta
E me ajudava intensamente a escolher o tom
Pra usar minhas palavras sempre tão sinceras
Poderia ser somente minha imaginação
O dia vem girando na atmosfera
Gelada e inconsequente com algo de bom
Mas parece veio a chuva e derrubou um sonho
E onde caiu nasceu a árvore de mel-limão

Te contar, que parecem cem anos
Ou meses que uma tempestade me cobriu
Corri pra procurar abrigo e nada mais
Encontrei o sol, dobrando a esquina

Quando eu despedia vendo os olhos dela
Se afastando pra tão longe como um avião
Me sentia como filme norte americano
Saindo de sessão
Aprendi a descobrir o meu próprio caminho
Assustado com os dias que eu deixei passar
Me contento com esse falso brilho da cidade
Esperando meu momento de nunca voltar

Te contar, que parecem cem anos
Ou meses que uma tempestade me cobriu
Corri pra procurar abrigo e nada mais
Encontrei o sol, dobrando a esquina

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

eu não poderia crer em um deus que não soubesse dançar

minha alma não é água com açúcar, é preciso gritar
rasgar a pele e consequentemente a roupa
e que a voz rouca não impeça seu ouvido de sangrar
porque sendo visceral quieta o monstro dentro de mim
pra que ele não posso depender unicamente de beijos errantes
de moças de saias e seios arfantes
nem meu corpo consegue entender mais os olhares
e nas mesas dos bares me despeço de algo intrigante
o que a musica faz comigo nenhum sexo faz com você
sou ultrajante e profano, blasfemo com medo e coragem
e a paisagem vai mudando com o tempo
mas nenhuma conversa preenche o vazio dos meus ouvidos
meu coração esta cheio e pronto pra atacar
estou pronto pra chorar e não pensar em mim
me preparei pra acertar, me preparei pra perder
e não há nada que valha tirar meus pés do chão
de razão meus sonhos estão cheios
minha missão passeia dependendo do mês
o que não sei se clareia na dança
e o que sei ficou pra trás outra vez