quarta-feira, 30 de junho de 2010

sobre os livros que não lemos

- vou tentar descrever a última vez que nos encontramos. não me pergunte como, mas eu descobri onde era sua faculdade, e o horário que você saía. cheguei com duas horas de antecedência pra não correr o risco de você sair mais cedo. fumei um maço de cigarro nesse meio tempo. ajudei uma velhinha a atravessar a rua e vi um cara tropeçando engraçado no meio fio. fora isso meus olhos só fitavam o céu cinza. então as vinte e duas e vinte a aula acabou. dezenas de meninas parecidas com você passaram por mim. mas só quando meu coração pareceu sair da boca foi que percebi ver você. dois anos depois, algo aqui ainda te reconhecia. você passou alguns centímetros de mim, e levando os óculos com a sobrancelha e sorriu. trocamos algumas palavras formais, daí eu percebi que não sabia o que falar. então veio o silêncio. eu descobri que sabia o que fazer. então não me lembro como te convenci a fugir dalí. era uma segunda-feira. caótica e de provas e reuniões. não sei de onde tirei que você aceitaria esse convite maluco. mas estamos aqui. você está aqui. eu estou em você. e nada mais.

sábado, 19 de junho de 2010

sem necessidade para (re)encontros

Os olhos de Alice saltaram do seu rosto corado e perfeitamente moldado. Cada respiração de Alice fazia Rodrigo se arrepender de ser assim. Mas não havia nada que podia ser feito. Ele nunca deixou que ela ascendesse seus cigarros, nem que dirige seu carro. Muito menos o seu coração. Se perder nela era como estar numa clinica de recuperação e fugir toda noite para usar crack. Não fazia sentido. Nada daquilo fazia sentido. O sol se punha daquele lado da cidade. Estranhamente Alice não quis mais saber de seus motivos, apenas levantou da cadeira e se recostou no parapeito da varanda. Ascendeu mais um cigarro, abriu os braços para trás e soltou rapidamente a fumaça em um sopro só. Sorriu ao ver a fumaça fazer desenhos engraçados com os raios de sol que saíam detrás de uma das árvores da rua. Rodrigo comtemplava aquilo como se fosse morrer amanha. E não parava de sorrir. Se só aquilo fazia ele desistir de quem gostava de ser, imagina se perder em seus braços novamente? Seria a morte e ele queria estar muito vivo. Tinha muito trabalho na segunda-feira. E uma luz menos irradiante adormecia no Rio de Janeiro a espera dele. Pegou um guardanapo e uma caneta com o garçom e anotou o número de seu celular. Deu uma última olhada em Alice que agora se debruçava quieta sobre o parapeito, pensativa, e largou o pedaço de papel em cima da mesa. E com as mãos nos bolsos e sem olhar pra trás, deixou a varanda da cafeteria pela porta esquerda.

terça-feira, 15 de junho de 2010

poeira

ele levanta, e bate uma vontade imensa de se arrumar. arrumar as coisas ao seu redor. nem tomou café. fome. uma parada pela serie na tv que faz sorrir. sorrisos. e agora poeira. de documentos importantes a papeis picados. mais poeira. e tudo parece arrumado. lixo. agora o chão. parece um menino brincando de colorir o piso fosco. e agora a vassoura. ensaia uns acordes na velha madeira enquanto a poeira sobe pelo nariz e ele quase morre de tossir. e se diverti deitando na poltrona até a tosse passar. para e pensa que seria interessante se pudesse fazer o mesmo com as pessoas. reciclagem. mudar todas elas que quer por perto, para que fosse tudo mais fácil, e continuasse com elas por perto sem ter que brigar. ele odiava brigas e discusões. ele odiava que, mesmo as amando, fossem tão diferentes. levanta de novo e começa a arrumar. e sente que a arrumação da vida vai durar e durar.

domingo, 13 de junho de 2010

sem necessidade para thais.

planos, conquistas, caminhos, subversão. ela tentou. pelo menos ela disse que tentou.
sentado no banco daquela praça, toda aquela história do velhinho que olhava fixamente para aquele prédio, todos os dias, passava como um filme na minha cabeça. ainda lembro dele narrando:
- desliguei o telefone e sai correndo. usei todas as minhas economias e peguei um táxi. ascendi um cigarro. apaguei um cigarro. bati cabeça e chutei bancos. "eu não posso". arrependimento. e depois o telefone toca sem parar. ninguém atende do outro lado. engarrafamento. pulo carros, atropelo pessoas. desculpas. tropeço no primeiro degrau. entro e bato a porta do quarto. mas é tarde de mais.
o velhinho se levantou e numa espreguiçada disse:
- vou caminhar um pouco. a vida é curta de mais para histórias.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

sobre quando paula ataca

chovia. fazia frio. ventava. paula se jogava nas escadas e não aguentava mais contar as manchas no teto, enquanto dona carmem se empolgava com seu tricô. não aguentava sua ansiedade naquela pousada, naquela cidade, onde pacato era apelido pra um lugar onde não acontecia absolutamente nada. mas fazer o que, havia dado tudo errado. já estava cansada de chorar e rezar, e fugir era o melhor remédio - sempre foi - e pouco se importava com sua covardia. de tão cansada de nada, resolveu tomar um café na lanchonete próxima. vestiu seu casaco verde, ignorou a chuva fina que caia, e atravessou a rua brincando com as posas d'agua enquanto dona carmem gritava pedindo cuidado com a pneumonia. nem escutou e entrou rodopiando com uma felicidade que ela não entendia de onde vinha. assim como também não entendia como havia chegado ali. muito menos porque dessa vez não sentia vontade de ir embora. foi quando o sino que avisa a entrada de pessoas tocou. foi a primeira vez que ela parou de mexer seu café em cinco minutos.

ele entrou depressa se escondendo da chuva, todo molhado e se recostou na porta. ela deu um sorriso tímido e pensou se as pessoas naquela cidade não conheciam guarda-chuva. ele tentava recuperar o fôlego, e estava quase conseguindo quando viu paula. mas foi em vão porque seu fôlego foi embora novamente. ela foi a sua primeira visão quando entrou na lanchonete. mas ela já havia desviado o olhar. mexia o café mais depressa do que antes e agora lutava contra seu olho para não olhar pro lado. da parte dele, foi preciso que a garçonete implorasse para que ele se sentasse e pedisse algo, ou simplesmente parasse de atrapalhar a passagem das pessoas e molhar o chão. ele se dirigiu ao balcão a uma cadeira de paula e pediu um café duplo bem forte. era inverno. as primeiras palavras de paula fizeram desse um inverno mais bonito e inesquecível. as palavras dele, bem... talvez um inverno mais divertido mas não menos encantador para uma garota que nunca havia sido feliz, presa entre a sorte e o azar, tentando não se atrasar e sorrir. e como ela sorriu...

segunda-feira, 7 de junho de 2010

sobre sinceridade / sem necessidade para caio f. de abreu

- caio fernando de abreu disse uma vez "quando digo que te amo, estou me amando dentro de ti".
- eu nunca entendi muito bem essa frase...
- é que não faz muito sentido amar alguém além de você mesmo.
- e seu eu fizesse você me amar?
- e quando você deixar de me amar? o que eu faço?
- você vai deixar de se amar por causa disso?
- você não entende.
- é, não entendo mesmo...
- é que eu não sei guardar um pedaço de mim pra amar depois, eu sempre me entrego...
- se você soubesse guardar, eu poderia te amar...
- se você soubesse amar, eu não precisaria guardar!
- então não guarde!
- mas a sua correnteza não tem direção...
- então me dê direção!

Nesse momento os olhos se perderam fixos uns nos outros. não houveram mais palavras. a água fervente para o café evaporou, e o cigarro no sincero queimou até o filtro durante quase todo o dia...