sábado, 31 de agosto de 2013

Capitulo I

As 5 da manhã eu ouço não só as batidas do meu coração compassadas em ritmo de bossa nova como ouço o barulho do fluxo do meu sangue subindo e descendo pelas minhas veias. Estou deitada na minha cama e o teto parece mais baixo que o normal, mas eu não sinto medo. Eu esperava que alguma coisa acontecesse. Na verdade esperava um momento revelador – a hora, a data, o local e o motivo – que me levava a ser como eu era; perdida no meio de tantos encontros e desencontros, que aconteciam no meio do nada que eram esses encontros. Eu achei que nesse exato momento eu entenderia porque eu estava aqui, drogada e o porque minha memória (vida) parecia tão longe do momento agora.
Eu tinha um caminho, e desviei até aqui.
Foi como se eu estivesse em um carro seguindo a mesma auto estrada por dezoito anos, e havia uma bifurcação. Esquerda e direita, não havia um meio termo. Era como a angustia da separação, mas de mim mesma. Era como a sorte da indecisão, o azar da escolha e o meu corpo um inteiro, não uma fração. O meu sorriso era loteria, o resultado final. Meu devaneio era o resto, o que ficou pra trás. Um dia eu voltaria se ainda existisse volta. Se não houvesse contramão. Mas o carro seguia, os dias passavam.
Era tudo um jogo mal jogado por mim, que não sabia chutar. O galo da vizinha canta, e eu não sei que horas são, pela primeira vez em meses. Começo a rir de euforia e desespero. Não saber as horas me da a sensação de não saber em que lugar da vida eu estou, e agora me dou conta que não sei do dia, do mês e da semana. Mas nunca me esqueço do ano, porque eu queria me chamar Ana. Lembro de desejar ser Ana a 8 anos atrás, na primeira vez em que a estrada bifurcou. Naqueles dias em que o asfalto hora curvava para um lado, hora curvava para o outro, lembro de estar no banheiro da casa da minha avó após o ano novo, depois da vida nova, e a minha tia me mandava prestar atenção com a voz alta que preenchia meus ouvidos amplificada pela excelente acustica do banheiro. Ela dizia “você vem de uma família de fracassados, você precisa ser feliz, entendeu?” Naquela época eu tinha medo de olhar nos olhos das pessoas, e até hoje conto nos dedos as pessoas que olhei nos olhos, mas eu me lembro de olhar no fundo dos olhos dela, no susto e no impulso. Eu não me lembro de ter respondido, mas me lembro de ter escovado os dentes olhando fundo nos meus olhos. Eu queria fazer isso agora então vou me levantar e procurar no espelho se eu sou feliz. Tenho mil argumentos pra provar que sim, mil sentimentos pra dizer que não. E uma vida inteira pra não saber responder.
A estrada bifurcou de novo, no mesmo lugar, na mesma direção. Eu tremo de ansiedade porque tentar é morrer e viver, tudo ao mesmo tempo, no mesmo segundo em que respiro. O carro segue a 150 por hora, e o que eu vou fazer da minha escolha é tudo um jogo mal jogado por mim, que não sei defender. Eu não sei me mover sem saber. Quando não sei machuco. Machuco a mim e ao mundo. E ao criado mudo que sempre chuto quando levanto correndo. E agora me preocupo porque eu não sei mais andar devagar. Porque necessariamente eu corro eu direção a bifurcação? Quando eu estou na esquerda olho as janelas da rua, desejando subir prédios. Quando estou na direita, olho as ruas da janela desejando cair no asfalto, fazer barulho e machucado. Sinto uma ponta de inveja das pessoas decididas que sabem onde vão. Sinto um baseado inteiro de tédio de saber o que esperar. Eu canso de saber, me mato de esperar. Me canso de viver, me mato de sonhar. Começo a não acreditar nas pessoas decididas que não olham pro lado, não olham pra trás. Não queriam que fosse diferente o café da manhã. Não queriam que fosse diferente a roupa do dia, ou queriam estar transando no escritório com a secretária. Eu pensei isso tão forte que esqueci de respirar e segurei com força o lençol, e me dei conta que não enxergava o teto mais.
Eu sai de mim pra não ter que escolher. Esquerda ou direita, matar ou viver. E pra não ter que escolher, eu sai do carro em movimento, e deixei que ele fosse mato a dentro, e nunca mais o vi. Parei no meio da estrada, exatamente no meio, e decidi pegar carona no primeiro carro que passasse. Ou ele pararia ou ele passaria por cima de mim. A escolha que eu fiz, o contexto em que eu vivi, as pessoas com quem sorri, todos os dias desde que eu nasci. O mundo girou pra lá e pra cá, em torno do sol, puxando a lua, choveu, ventou, não nevou, estiou, e tudo, extremamente tudo me desviou até aqui.
Adormeci.
Acordei e não tive resposta. Fiz um café pra variar. Abri a porta da varanda e o sol estava lá, pra variar. A vizinha estendia roupa no varal, pra variar. As crianças choravam, pra variar. Eu não achava meus óculos, pra variar. Coloquei um disco do Chico pra variar. Sentei com um cigarro, pra variar. Apoiei minha cabeça na mão e suspirei desiludida pra variar. Mastiguei uns biscoitos enquanto olhava a vizinhança, pra variar. Quando notei no canto direito da minha visão uma roupa diferente, um sorriso diferente. Enquanto Chico cantava “deixa em paz meu coração” eu fiz um almoço diferente, e me senti diferente, como se não precisasse jogar. Como mesmo se eu virasse a esquerda, lá na frente eu pudesse virar a direita. Como mesmo se eu não pudesse mais virar, a estrada se faria certa em um tempo ou outro. Eu nunca gostei de placas me mostrando aonde ir. Foi assim que escureceu, foi assim que eu venci.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

joão

trago estrelas
respiro fumaça
neblina me cega
o medo me mata

dia após dia
noite após tarde
um pé atravessa
o outro milagre

trago estrelas
sinal amarelo
cortina fechada
ilumina concreto

sentido contrário
mão contra mão
mudo de aquário
não diz nada não


trago estrelas
dia após dia
respiro fumaça
noite após tarde

neblina me cega
um pé atravessa
o medo me mata
outro milagre

trago estrelas
sentido contrário
sinal amarelo
mão e contra mão

cortina fechada
mudo de aquário
ilumina concreto
não diz nada não