e sinceramente não sei como vim parar aqui. foi um pesadelo eu disse pra mim mesmo, mas a janela da sala estava quebrada por um granizo que esperava pacientemente no chão pelo seu fim. me sentei largado no sofá me julgando tão sem reação quanto aquele pedaço de gelo que se formou na natureza com o intuito de me foder. mas em algum lugar estava minha capacidade de me reinventar. eu só precisava procurar.
procurei pelo quarto, nas roupas, nos discos, embaixo da cama, na poeira de semanas. no corredor, na luz acessa, nas drogas, na sala, na televisão, na fé. no banheiro, no canto no chuveiro, lavando o rosto encarando o espelho, no meu cabelo. na cozinha, na comida, no sexo. cada hora eu era um, todo minuto eu tinha medo.
e engolindo seco eu desci minha rua, procurando nas placas, nos postes, nos fios de alta tensão, com o nariz empinado mirando o céu. procurei no meio fio, nos bueiros e seguindo os ratos, mirando o chão. ambos doeram de maneira diferente.
então segui em frente e entrei no ônibus. eu era o esquisito que escrevia nervoso em um caderno velho, com uma letra garrancho. e que vez ou outra olhava pelo vidro sujo a sujeira da rua em pane. em conflito fundo. sem ler os letreiros que identificavam onde eu estava e as marcas das lojas que identificavam quem eu sou.
desci no centro da cidade, bem no coração onde as pessoas passam e a mantém viva, pulsando, cinza, alegre, com a veia entupida de carros e gente querendo morrer. eu queria renascer ali, mas tudo já parecia inventado de alguma maneira. mas e o artista que pinta no meio da calçada velha? e o poeta que faz musica com seu jazz no meio do caos? as buzinas e as crianças chorando entram na dança do meu sofrimento cotidiano e contemporâneo de herança moderna provocado pela bossa nova.
certa noite acordei e parei em uma praça pra escrever, enquanto todos planejavam comprar um carro e aposentar mais cedo, eu queria dormir até mais tarde e não ser tão louco assim. me distraí no que estava procurando. nem todo texto tem que ter um fim.
Nenhum comentário:
Postar um comentário