segunda-feira, 24 de junho de 2013

o sopro do dragão

a cidade acordou com o seu teto de vidro em pedaços no chão
refletindo o sol preguiçoso de começo de inverno
as pessoas comentam qualquer coisa sobre a televisão
como se não tivesse havido inferno

inferno nosso de cada dia,
o inferno de todos os santos
o mar que vem pela avenida
quando viver já não tem mais encanto

quando a voz já não é mais ouvida
e ninguém parece ouvir mais pranto
o grito ecoa pelo silêncio na esquina
enquanto o mundo permanece girando

bem no meio do olho do furacão
coragem bate mais forte do que o sangue lateja
não existe mais pátria nem nação
não é só olho que lacrimeja

é a mãe gentil que não sabe se chora
ou se sorri pelo filho que luta
entre o medo e a esperança que aflora
o dia já não é mais o mesmo nas ruas

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Quem Precisa do Brasil

No começo, eu manti um pé atrás com as manifestações pelo país.

Uma semana antes dos protestos, no meu trajeto ônibus/centro/metrô, entre 6 e 7 da manhã, reparava nos rostos das pessoas nos transportes públicos e pelas ruas. Os rostos cansados, ou melhor, abatidos pelo cansaço de trabalhar em um emprego que não sonhou quando era criança - porque não teve tempo de sonhar, teve que trabalhar pra ajudar a família, e levantar cedo e ser humilhado em um ônibus lotado sem conforto e sem descanso, trabalhar 8 horas por dia como manda o regulamento, num emprego que lhe exige sacrifícios físicos e psicológicos. E no final, voltar no mesmo ônibus, humilhado pela lotação, olhando pros rostos de gente tão ou mais cansado que ele.

Quando abro o jornal: aumento do custo de vida, violência, desvio de dinheiro publico, mais violência, menos educação, caos na saúde, leis e decretos sem o menor sentido.

Quando olho a periferia ao meu redor, ao menor sinal de crescimento econômico, a favela foi tomada de carros populares, antenas de tevê a cabo, puxadinhos e segundo andar irregulares, roupas de marca, academias, tevês de led e celulares

Quando abro o jornal: cura gay, pec 37 e 39, gastos bilionários em futebol, leis esdruxulas de uma entidade privada internacional que passam por cima das leis que beneficiam o povo, impunidade parlamentar, mais desvio de dinheiro publico, menos educação.

Quando ouço as pessoas conversando na rua: bigbrother, novela, futebol, fofoca, famosos, cansaço pelo trabalho, jeitinho brasileiro de passar a perna e tirar vantagem em tudo.


Uma semana antes dos protestos, no meu trajeto ônibus/centro/metrô, entre 6 e 7 da manhã, reparava nos rostos das pessoas nos transportes públicos e pelas ruas. Essas pessoas vão chegar em casa, tomar banho, fazer a janta, assistir ao telejornal, a novela, e dormir. Se elas tiverem filho, elas preocuparam como anda a educação da escola em que ele esta matriculado? Esses filhos dessas pessoas estão preocupados em se tornar alguém mais esclarecido do que seus familiares na vida ou só estão preocupados em arrumar um trabalho menos árduo que lhes dê dinheiro pra comprar o tênis da moda?

Essas pessoas vão chegar em casa para suas famílias ou, ao invés disso, vão para os bares gastar tudo que ganhou com seu sub-emprego para amenizar o cansaço e a desilusão de que nunca vão ter um oportunidade? Eles nunca vão ter uma oportunidade porque não tem oportunidade ou porque não procuram uma oportunidade?

É justo muitos se matarem para ter uma oportunidade enquanto poucos limpam a bunda com uma nota de 100?

No começo, eu manti um pé atrás com as manifestações pelo país.

Todo esse discurso "Robin Wood" da classe média me faz pensar no fim e no depois. No fim, que seria bom pra quem? Bom pras linhas de frente que organizaram os protestos, conseguem visibilidade e numa dada reforma pulam para o outro lado, e não se sabe mais quem é porco, quem é humano. No fim conduzido pelos oportunistas da efervescência com o intuito de angariar militantes para suas causas partidárias ou de movimentos com ideias unilaterais, fazendo todo mundo esquecer do fim que deveria existir: o bem estar comum. E ainda, o fim das pessoas de bem, que entraram pro protesto com a esperança de não ter que trabalhar 14 horas por dia pra colocar o filho em um colégio particular com medo do ensino publico do propro país. As pessoas que estavam no meu lugar a anos atrás, na luta contra o cenário politico vigente, hoje vê tudo isso pela tevê com o ar de "já vi esse filme antes". São pessoas da classe média que tem que trabalhar 14 horas por dia, que não tem os mesmos problemas que as pessoas que eu vejo nos transportes públicos e nas ruas, mas que não se sentem representados pelas pessoas que ajudaram a eleger com o grito nas ruas por um país melhor. Sinto nos olhos dessas pessoas a pergunta: onde esta o país pelo qual eu gritei a décadas atrás?


No começo, eu manti um pé atrás com as manifestações pelo país, mas eu não resisti!

Li e reli, exaustivamente, manifestos e opiniões. Gente que apoia, gente que condena. Gente que acha que vai haver nova ditadura, gente que acha que não vai dar em nada. Gente que reclama do trânsito, gente que buzina. Gente que não sabe porque está lá, mas está. Gente que daria tudo pra estar lá, mas pode estar. Gente. Milhões de gente. Gente que antes não sabia a quantas andava seu país. Agora sabem. Sabem porque, porque mais que todas as profecias do fim dessa história, levantamos da cadeira e gritamos, envelhecemos gritando, e vamos morrer gritando. Não é só na manifestação. Vamos gritar nos bares em conversa com os nossos amigos. Gritar no facebook compartilhando fatos, notícias verídicas e discutindo opinião e informação. Vamos gritar dentro de casa, buscando referência no passado e agindo corretamente no futuro. Vamos gritar nas nossas cabeças todo duvida e pensamentos, gerando mais discussão e mais informação. Vamos criar nossos filhos gritando que se ele não gritarem também, tudo que nos construirmos vai ser tomado de novo aos poucos. Eu não resisti, porque agora a cara abatida pelo cansaço do povo no transporte publico e nas ruas se mistura a um leve contentamento de esperança de dias melhores. Eu não resisti porque vi nos olhos de quem gritou a décadas, apesar de já terem gritado e visto esse filme, a esperança em quem grita hoje.

Eu não resisti a manifestação porque nós precisamos do Brasil.

sexta-feira, 14 de junho de 2013

pele, carne e osso

pele, carne, osso e coração
unha, sujeira, ardor e concreto
meço minhas palavras em oração
o céu invade a torre do meu prédio

procuro explicações que não chegam das nuvens
e vou pra debaixo da terra com as minhas
porque rio na cara da desgraça que me pune
porque querer ser eu mesmo toda a vida

na via todavia contramão
na mão tudo aquilo que me despeço
de tudo que me é ilusão

no sorrio o controverso
da métrica que me assassina
pra eu me sentir vivo no inverno