domingo, 30 de setembro de 2012

sorte

o batido insistente do pé no chão e as duas embalagens de cupcake em cima da mesa eram indícios de uma longa espera. a cabeça que girava em todos as direções possíveis e o dedo polegar que ensaiava o uso de um isqueiro, coisa de quem havia parado de fumar há pouco tempo mas que logo voltaria com força total, porque com certeza era uma péssima hora pra parar largar o vicio. todos os sinais eram evidências de que alguém tinha dado o bolo na garota que roubava minha atenção nos poucos minutos do meu lanche. a sorte as vezes bate no lugar errado, pois jamais faria uma garota tão bonita esperar tanto. fiquei imaginado o tipo de babaca que faria isso, ou se ela tinha um defeito muito grande mas mesmo assim pensei em me aproximar. pensei em usar o raciocínio da sorte, fazê-la rir, quebrar o gelo e me sentar à sua mesa. falar de livros, discos, filmes e um pouco desse delírio cotidiano. trocaríamos telefones e eu a chamaria para tomar algo mais forte que um café; começaríamos a namorar, noivaríamos depois da faculdade e juntaríamos grana; casaríamos. teríamos dois filhos e um jardim igual ao dos romances que escrevo no verão.
ainda era inverno. minha bebida acabara e eu tomava apenas a água do gelo derretido enquanto fitava suas pernas. quando dei por mim já era dezoito e trinta e minha aula começava. levantei apressado e olhei uma ultima vez procurando alguma coisa, e nossos olhos se esbarraram por segundos. continuei andando, minha vida não tinha tempo para o amor. e uma garota que espera tanto alguém não entenderia um sonho que não tem tempo pra acontecer. continuei sonhando até a hora de dormir. agora eu não lembro de mais nada.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

paranoia

ouça: cazuza - quase um segundo

o tempo sem ti não é um tempo qualquer
o tempo sentir não é pra qualquer um
nesse segundo eu penso fazer o que quero
no segundo seguinte já não é bem o que eu vejo
percebo que faça o que eu fizer
o que meu coração quer
ainda é o que eu desejo
ainda há você no meu peito

domingo, 9 de setembro de 2012

razão

quando eu fui mais eu e menos você
quando eu fui mais casa e menos mundo
é estranho o vento te roubando o ar
eu não percebi o fim de tudo

e foi o começo desse absurdo
que eu quis chamar de recomeço
e tentar me acostumar sem teu susurro
conseguir a paz que não tem preço

e pode me virar do avesso
eu não te devo explicação
desse sorriso que não me cabe no peito
dessa vontade de voltar a dar as mãos

de pouco a pouco abandonei o labirinto
que eu criei quando tentava te encontrar
sai as presas sem pensar em ter um rumo
de pouco a pouco nunca mais penso em voltar

domingo, 2 de setembro de 2012

grito

para ler ouvindo: quarto negro - vesânia (parte II)

mantendo a direita, cheguei a pergunta que me incomodava: porque os pés dela não esquentavam mais os meus a noite. eu não tinha percebido; só me dei conta quando chegou o inverno e me esquecia de colocar as meias antes de dormir. não que eu não soubesse a resposta; enquanto perguntava já ouvia ela dizer que eu ando muito ocupado com a minha vida e esqueci dela e de sua vontade de ter um filho, de comprar um sitio e visitar seus pais no feriado. vai dizer que trabalho de mais, assisto jogos de mais e o sexo já não é mais o mesmo. falar que não levei ela pra jantar e não reparei no novo penteado e que dou mais valor ao carro do que a ela e estou à decepcionando e não era isso que ela esperava do nosso casamento. eu vou tentar e relutar um pouco, arriscar alguma desculpa esfarrapada que no fundo eu sei que não vai colar e ela vai ficar mais brava ainda. eu posso dizer que vou mudar mas ela me conhece bem e não vai ser fácil assim. vou leva-la pra jantar, ao cinema e vou dar mais prazer a ela na hora do sexo. visitar os pais dela qualquer final de semana e dar um presente pra fechar com chave de ouro.
mas ela não tirava os olhos da rua a caminho do trabalho. nem da rádio ela reclamou. permanece o silêncio por pelo menos um quarteirão. foi quando percebi o quanto me fazia falta seus gritos. foi quando percebi que eu perdi.

sábado, 25 de agosto de 2012

dinamite (ou a borboleta e o furacão II)

para ler ouvindo: bon iver - flume

tudo que pode explodir causa ansiedade pela explosão. aquilo que está intacto não apresenta motivos para não ser quebrado. não existia porque pra não dar aquele passo. eu ainda acreditava no velho clichê do olhar. e confundiu como eu esperava que fosse. não fazia um mês que ela passeava pelo meus dias. eu perdi as contas em algum canto perdido pela casa. eu sempre perco alguma coisa pelo caminho, até o dia em que eu parar de perder. provavelmente será o dia que eu não vou estar mais no caminho. e vou estar parado contanto essa história a quem interessar possa. eu odiava historias até começar a gostar. eu não gostava até começar a amar. é como uma linha de defesa pra não acontecer de novo, mas sempre acontece. explode feito um furacão, bonito como uma borboleta colorida, inofensiva, sem saber porque vai de peito aberto para o olho. entorpecida, ela só abre as asas e vai.

ela subia as escadas com aquele meio sorriso olhando pra baixo com medo de me encarar. eu sempre queria estar esperando no final das escadas mas sempre me segurava e ficava atrás da porta esperando ela bater. agindo normalmente como se não precisasse agir. são só coisas bobas que a gente faz sem perceber, mas quando você começa a lembrar os detalhes são mais fortes do que o ponto final. e você nem se quer lembra em que lugar você estava na história quando começou o final. de qualquer maneira, depois que ela parou de subir as escadas e tudo ficou assim, como o final de uma tormenta, lembro dela dizer - para todos os efeitos eu nunca estive aqui.

passei a encarar como se fosse possível e o tempo mudou muitas coisas por aqui e por lá também, mas existem coisas que não se pode mudar e o quadro dela continua no mesmo lugar. Ficaria um buraco na parede e eu odeio remendar coisas. As vezes eu gosto de lembrar porque aquele quadro que eu nem gostava ainda esta alí quase dois anos depois. pra lembrar que, pra todos os efeitos, eu nunca estive aqui também.

sábado, 18 de agosto de 2012

a primeira epifania

compreendi o significado da gente
mesmo que nadasse contra a corrente
mesmo que seja errado, pago, barato
sem sal, por mal.

aprendi que é normal, e que não há como evitar
o que se veste, se faz, se sai, se sonha sem pensar
em curvas escuras, claras como a luz do sol,

evitei o que se corre sem querer
e o que não da pra evitar
o que se aprende sem perceber
o que se entende só de olhar

em um mundo onde não se esconde de ninguém
onde não há sombra de duvidas
o que eu pensei querer nunca existiu
o que existiu eu passei sem ver



* texto escrito com joaquim emidio aniversariante do dia. meus sinceros parabéns pelos anos e pela ideia do poema.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

porto, ponte, âncora, paz

essas ruas me trazem ventos que eu não sei porque
essa vista me cega e me entorpece de paz
eu já não lembro o tempo que me trouxe até aqui
nada me enlouquece nesses dias de cais

é um estar pleno de graça sem perigo
e achar abrigo onde tiver que ser
o interior corre no seu próprio caos
a cidade esquece o que precisa ter

entre fumaças e destinos eu sigo sorrindo
passos largos, torto, perdido, caminho
eu noto que o sino não bate outra vez

eu que há muito não ouvia nada
já não sabia que som fazer
ouvi o ruído da vida chegando outra vez